Temer muda tudo no ensino médio

Por meio de Medida Provisória, o governo anunciou aumento do número de horas e mudança das disciplinas. Somente três delas permanecem obrigatórias

O ensino médio vai mudar. Radical e rapidamente. O presidente Michel Temer sancionou a Medida Provisória que mexe no currículo, na organização e na carga horária dos últimos anos da educação básica. Flexibilização de grade curricular, aumento do número de horas de aula e ensino integral em metade da rede estão entre as principais mudanças que começam a ser postas em prática já a partir de 2017/2018 – dependendo somente de quando a Base Nacional Curricular Comum entrar em vigor.
A mudança mais sentida será na grade de disciplinas dos alunos. Hoje, o estudante encara 13 matérias fixas (língua portuguesa, matemática, biologia, física, química, filosofia, inglês, geografia, história, sociologia, educação física, educação artística, literatura) em 25 horas de aula semanal. A partir do próximo ano, as escolas se organizarão para o aluno escolher entre itinerários formativos – o nome dado pelo Ministério da Educação (MEC) ao conjunto de matérias que cada aluno escolherá para estudar.

Os itinerários são agrupados em cinco grandes conjuntos: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Dentro de cada um deles haverá cinco disciplinas. Cada escola ou rede de ensino decidirá que outras disciplinas vão compor esse itinerário. As únicas obrigatórias em todos eles serão língua portuguesa, inglês e matemática. O aluno escolherá o que vai estudar no final do 1º ano do ensino médio.
Um exemplo: o aluno chega ao final do 1º ano, no qual teve as mesmas disciplinas que todos os seus colegas, e opta pelo itinerário de linguagem. A partir de então, no 2º e 3º ano do ensino médio, ele terá aulas de língua portuguesa, língua inglesa, matemática (essas três compõem a grade obrigatória), literatura brasileira, história do Brasil, história geral, geopolítica e espanhol. O exemplo é hipotético, pois cada escola (ou rede) terá liberdade de apontar quais serão as cinco disciplinas que vão compor cada itinerário.

As mudanças anunciadas hoje estão atreladas à Base Nacional Curricular Comum, que está em sua segunda versão. O isso significa? De acordo com o que prevê a MP, esse modelo de organização curricular só poderá ocorrer depois que o currículo nacional já estiver implantado. A previsão dada pelo MEC é que isso ocorrerá no próximo ano. Por isso, a escolha pelo currículo flexível só deverá ocorrer a partir de 2018.

A partir de então, a MP prevê que a carga horária de 2.400 horas de aula no total será dividida em 1.200 horas de aula dedicadas às disciplinas da BNCC e outras 1.200 horas de aula dedicadas às disciplinas que o aluno escolher estudar. O objetivo é permitir que o estudante se aprofunde no estudo das áreas pelas quais tem maior interesse.

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No entanto, algumas mudanças começarão no próximo ano letivo. Uma delas é transformar 5% das escolas da rede estadual em escolas de turno integral. A prioridade serão as áreas mais pobres. O objetivo é que metade das escolas de ensino médio seja de ensino integral. O tempo para que isso ocorra dependerá da capacidade de organização (e de orçamento) de cada estado.

O ministro da Educação, Mendonça Filho, anunciou logo que assumiu o cargo que sua prioridade seria a reforma do ensino médio. A decisão dele ecoa a preocupação de toda a sociedade. O ensino médio é a fase com os piores resultados de aprendizagem dos 12 anos de educação básica. No último Ideb, divulgado há duas semanas, mais uma vez foi o setor com os piores resultados. A área não só não progrediu na nota (que mede os conhecimentos de matemática e de língua portuguesa e os dados de evasão escolar), como retrocedeu. O aluno do ensino médio hoje sabe menos do que o garoto que estava no mesmo ano da escola sabia em 2009.

As razões para a derrocada do ensino médio são muitas. A principal delas é o desinteresse do jovem por essa fase. Por um lado, o currículo sobrecarregado, com as 13 disciplinas, leva à superficialidade mesmo das disciplinas que o estudante mais aprecia. Por outro, obriga o estudante a aguentar uma série de matérias que não lhe interessam. Esse cenário resulta na desistência de 700 mil alunos por ano (só no ensino médio). “Numa conta simples, isso significa que o país joga fora R$ 3,7 bilhões de por ano com evasão”, diz Mozart Ramos Neves, diretor do Instituto Ayrton Senna, ex-secretário de Educação de Pernambuco e ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco. “Passou da hora de fazermos uma mudança no ensino médio”, diz ele.

As resoluções anunciadas hoje foram baseadas num projeto de lei que estava em tramitação desde 2013 e também nas propostas de mudança desenhadas pelo Consed, órgão que reúne os secretários de Educação do país. Ainda assim, a Medida Provisória não foi bem recebida por boa parte da área da educação. Muitos educadores reclamam que uma mudança dessa envergadura precisa da participação ativa de toda a comunidade, inclusive dos alunos. “Em 35 anos de educação, nunca tinha visto uma medida dessa importância ocorrer por Medida Provisória”, diz Antonio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisas do Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisa de Educação e Cultura. “Somos totalmente a favor da flexibilização da educação, que é um objetivo da MP. Mas há muitos riscos que o documento não dá conta de indicar de que forma serão tratados”, diz.

Como toda grande mudança, o rastreamento de riscos já começou a ser feito. O principal deles é sobre o aumento das desigualdades. Com a liberdade de poder escolher o que será oferecido, escolas em locais mais vulneráveis podem deixar de oferecer as disciplinas de ciências naturais, por exemplo – área que carece sistematicamente de professores de química e física. “As secretarias de Educação terão um trabalho vital de olhar para a rede de cada região e garantir o equilíbrio de ofertas. Todo aluno deve ter todas as alternativas em sua vizinhança, se não numa escola, na mais próxima”, diz Ricardo Henriques, superintendente da Fundação Unibanco. “A partir de agora, os dois grandes desafios das secretarias e escolas serão implementar o modelo e fazer a formação dos professores. Para poder ajudar o aluno a se aprofundar nas áreas, os professores terão de se aprofundar também no conteúdo e na técnica de ensino”, diz ele.

Fonte: Revista Época

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